SACADO QUE CONFIRMA TÍTULO SIMULADO DEVE PAGAR – TEORIA DA APARÊNCIA

por | ago 27, 2020

Verdadeiro tomento para empresas de factoring, securitizadoras ou fundos de investimento em direitos creditórios, são aqueles sacados que por ocasião da aquisição do titulo crédito confirmam (via e-mail ou telefone) a legitimidade, valor e até mesmo a entrega da mercadoria, e posteriormente, no vencimento, fazem oposição ao pagamento, alegando inexistência negócio subjacente. Muitas vezes ainda, a oposição se da sob o argumento de que o funcionário que fez a confirmação não tinha poderes para tanto.

Em recente decisão o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo enfrentou o tema, através do julgador proferido nos autos n. Processo 1088747- 12.2014.8.26.0100, registrado em 18/04/2017, assim decidiu:

Embargos à execução julgados procedentes – Nota promissória cedida em contrato de fomento mercantil (factoring) – Aquisição de mercadorias – Alegação de que o contrato foi firmado fraudulentamente por ex-funcionário – Preposto do departamento de compras aliciado por fornecedora da autora – Cautelas de praxe comercial necessárias realizadas quando da cessão dos títulos – Inexistência de má-fé ou negligência da empresa faturizadora – Aplicação da Teoria da Aparência – Negócio que deve ser considerado válido e apto à emissão das duplicatas frente à faturizadora – Cobrança mantida – Recurso provido (Relator(a): Miguel Petroni Neto; Comarca: São Bernardo do Campo; Órgão julgador: 16ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 04/04/2017; Data de registro: 18/04/2017).

O Relator assim afirma:

“…a apelante afirma que é legítima credora e portadora dos títulos, uma vez que a cessão do crédito foi realizada com a tradição dos títulos originais, devidamente endossados, acompanhados das notas fiscais e comprovantes de entrega das mercadorias, devidamente assinados e carimbados por preposto da embargante.

(…) a apelada foi notificada da cessão e que a confirmação das duplicatas foi encaminhada por e-mail, tendo ela confirmado o recebimento das mercadorias, com solicitação do envio dos boletos por e-mail, o que foi devidamente atendido, havendo posteriormente pedido de prorrogação de vencimentos, não se insurgindo em momento algum contra a validade das cártulas.”

Nesse caso, verificamos que a tomada das cautelas básicas que este tipo de operação exige foram fundamentais para o desfecho favorável ao terceiro credor.

Prossegue ainda o Relator:

“Ora, nesse contexto, resta claro que o ex-preposto da autora fez com que o negócio simulado tivesse aparência de real, o que fez com que a apelante, de boa-fé, munida de total confiança recebesse os títulos.”

Ou seja, apresenta-se como verdadeiro o que não é real. O credor acredita na confirmação realizada pelo devedor, baseado nas circunstancias que causaram a convicção de que ele – devedor – é o real titular de um direito. Com muito mais razão ainda, quando tal declaração emana de gestor, mandatário ou preposto que atua com poder ou capacidade aparente, e exterioriza uma faculdade que não detêm. Tendo o terceiro acredito à vista da aparência das circunstancias que envolvem o fato.

Daí porque é de suma importância também a tomada de todas as medidas acautelatórias mínimas que a atividade de cessão de recebíveis exige. Tais como entrega da duplicata, nota fiscal e comprovante de entrega de mercadoria e ainda a realização da notificação de cessão de crédito ao sacado.

Ainda no voto acima mencionado, afirma o Desembargador Relator:

“ORLANDO GOMES, no magistério da Teoria da Aparência, investigando justificativas para a adoção do princípio da proteção aos terceiros de boa-fé por nosso ordenamento, elenca três razões principais a servir-lhe de fundamento, a saber:

“1 – para não criar surpresas à boa-fé nas transações do comércio jurídico;

2 – para não obrigar os terceiros a uma verificação preventiva da realidade do que evidencia a aparência;

3 – para não tornar mais lenta, fatigante e custosa a atividade jurídica. A boa-fé nos contratos, a lealdade nas relações sociais, a confiança que devem inspirar as declarações de vontade e os comportamentos exigem a proteção legal dos interesses jurisformizados em razão da crença em uma situação aparente, que tomam todos como verdadeira” (Transformações Gerais do Direito das Obrigações, Rev. dos Tribs., São Paulo, 1967, p 96)””

Nesse julgado o Relator traz vários precedentes, o que consolida a tese. Por fim, conclui o Desembargador:

“Nesse contexto, ainda que constatada a fraude do negócio primitivo – firmado entre a embargante e sua suposta fornecedora (empresa faturizada) -, aplicável ao caso, sem qualquer dúvida, a Teoria da Aparência, o que torna o contrato válido e eficaz, ao menos frente à apelante.”

Assim, concluímos que a tomada das medidas de cautela básicas, notadamente envio de notificação de cessão de crédito, preferencialmente através do mesmo e-mail já anteriormente utilizado com o sacado do titulo, e todos os outros que dispuser da mesma empresa é fundamental para evitar alegação de desconhecimento do titulo pelo devedor.

Luciana Rocha Sarti Geraldo